sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A gravata


Matheus estava indo para o escritório onde sua mulher Adriana trabalhava. Pretendia fazer uma surpresa. No caminho, passou na floricultura e comprou uma dúzia de rosas vermelhas. Dirigia-se alegremente ao escritório. Ao entrar, escuta vozes vindo da sala presidencial.

- Arruma a minha gravata?
- Claro, com o maior prazer. Assim você vai ficar um gato!
Matheus aproxima-se da porta, desprezando o que ouvira a pouco.
- Oi amor, resolvi fazer uma surpresa!
Ele observa Adriana arrumando a gravata de seu chefe Rodrigo. Estão em uma cena muito angelical.
- Mas o que é que está acontecendo aqui?

Logo, Matheus dá-se conta do óbvio que havia perguntado. Estava tudo muito claro, ele estava sendo traído. Pior, os pegara no flagra. Ele atira as flores ao chão e indaga:
- Como sou um idiota! Eu vindo feliz lhe visitar e você me traindo com esse engomadinho. Como eu não percebi isso antes? Todos aqueles cerões no trabalho. Agora está tudo muito claro. Traidora!

- Matheus, você está muito agitado. Acalme-se.
- Que me acalmar. Eu vi tudo. Você arrumando o terno dele para parecer que nada aconteceu.
- Ela só estava arrumando a minha gravata. Explicou Rodrigo, completamente constrangido pelo fato.
- Vocês pensam que eu sou tonto?
- Claro que não. Mas Matheus, você sabe que eu te amo. Como eu poderia...
- Chega! Não adianta tentar se explicar. Eu vi tudo. Com meus próprios olhos. Ninguém me contou.

- Ela só estava arrumando a minha gravata.
- E tu cala essa boca, porque senão tu vai apanhar. Disse Matheus, num tom desesperado.

Ana, a recepcionista do escritório ouve os gritos de Matheus. Num ato de grande curiosidade ela entra na sala. Logo junta os dados: estava diante de um marido que acabara de ser traído. Ela sempre pensar o que diria a um marido traído caso presenciasse uma cena destas. Como agiria. Se o consolaria. Ou “daria nos dedos dele”. Tinha uma grande mágoa, pois seu antigo namorado a havia trocado por uma garota dez anos mais nova que ela.

- Acalme-se Matheus, isso poderia ter acontecido com qualquer um. Mas foi com você. A culpa é dela. Após a fala, Ana abraça Matheus, consolando-o.
- Ela só estava arrumando a minha gravata.
- Não entendo o que eu fiz para você pensar isso. Alguma vez lhe dei indícios de que te traia?

- Já chega! Eu não quero mais saber de explicações. Vocês dois na maior intimidade. Eu vi tudo. O que queria que eu pensasse? Que só estava arrumando a gravata dele? Não sou ingênuo. Está tudo tão claro. Você acabou de me trair.

- Não seja idiota. Voe está distorcendo tudo. Eu não te traí.
- Cala essa boca! Eu vi tudo.
Matheus vê uma tesoura em cima da mesa de Rodrigo e a pega.
- Larga essa tesoura Matheus.
- Eu vou acabar com tudo isso.
- Você está louco? Vai acabar com o quê?

- Ela só estava arrumando a minha gravata.
- Já disse que chega. Não há explicação que vai me convencer de que o que eu vi nesta sala não era uma traição.
- Ele tem razão. Vocês dois estavam aí, a sós na sala trocando intimidades e agora querem negar? Disse Ana, ao aproximar-se de Matheus.

- Te liga garota. Tu não sabe de nada do que aconteceu. Respondeu Adriana, enfurecida.
- Acha que sou tonta, como o teu marido? Eu sempre desconfiei que vocês tinham um caso. Pensa que eu não sei que ficas até altas horas com ele, sozinhos no escritório?
- Sei disso, mas nós só estamos trabalhando num projeto muito importante. Nunca me passou pela cabeça trair o Matheus.

- Já chega! Sem mais explicações. Tu só ta piorando a coisa. Indagou um Matheus transtornado.
- Ela só estava arrumando a minha gravata.
- Eu já mandei tu calar a boca!
Matheus arma a tesoura para o golpe.
- Para Matheus. Eu já disse que não te traí.
- Ele viu tudo. Quer negar agora? Acho que não tem mais volta. Já era guria. Disse Ana.
- Não está vendo que ele quer matá-lo? Ajude-nos, por favor! Gritou Adriana, num ato desesperado para conter Matheus.

- Chega Adriana. Ele tem que pagar.
- Mas meu Deus, pagar por quê?
- Não se faça de sonsa, eu vi tudo.
- Quantas vezes vou ter que dizer que não houve nada entre nós?
- Ela só estava arrumando a minha gravata.
- Eu vi tudo. Querem negar? Não há mais como. O tempo acabou.

Matheus pega a tesou e crava no peito de Rodrigo. A morte é quase que imediata.
Na cadeia, Matheus explicava a seus novos amigos que estava preso por ter matado um engomadinho que estava tendo um caso com a sua mulher. E que, por sorte, pegara os dois no flagra. Mais alguns instantes e teria sido feito de idiota. Talvez ainda estaria sendo traído. Conseguia imaginar a cena: os dois depois de mais uma transa, rindo dele.

A notícia de que Rodrigo fora morto por Matheus se espalhou por toda a cidade. Todos os seus amigos comentavam o final trágico que teve. Seu único crime: querer que arrumassem a sua gravata.
_______
*Texto escrito em 2002.

2 comentários:

Gabi disse...

tens razão. é estilo

mas confesso que me questiono:
e será que ele(Matheus) não estava certo?

Carla P.S. disse...

Eu jurei que o golpe "fatal", seria ele cortar a gravata do Rodrigo.. Ao estilo "pronto, agora ninguém mais vai precisar arrumá-la!". Huahuaa..Ia ficar meio patético, mesmo. Sabe que tem gente que mata por pequenas coisas mesmo? Como no trânsito, como na arrumação de uma gravata, como em tantas outras situações...
Bem legal, gostei, como sempre!
Um abraço!