sábado, 15 de novembro de 2008

Uma noite de inverno


Direto do baú do tempo, retirado dos cadernos velhos do distante ano de 2002, "Uma noite de inverno". Para quem já leu, é uma chance de rever. Para quem não conhece, é uma oportunidade de conhecer um estilo que pouco uso por aqui: contos. Boa leitura.


Uma noite de Inverno

Não quero nem devo lembrar aqui porque me encontrava naquela barca. Só sei que, ao redor, tudo era silêncio e trevas. E me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável e tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um rapaz, uma moça com sua irmã e eu.

O rapaz, de aparência mórbida, vestia uma capa preta de lã. Sentava ao fundo, inquieto. A moça estava à minha frente. Sentada ao seu lado, a irmã, que a abraçava tentando espantar-lhe o frio. A mais jovem vestia apenas um vestido que mal tocavam as canelas.

Fazia frio. Logo de início pensei em oferecer-lhes o meu casaco, mas não o fiz. Por quê? Não sei. A viagem ia passando e a cada instante, sentia-me mais incomodado em não ter dado meu casaco à menina.

Uma névoa começa a pairar sobre a embarcação, esfriando ainda mais os já frios bancos da barca. Resolvi fumar um cigarro. Mas, ao pegá-los, a caixa de fósforos cai ao chão. A menina se desvencilha dos braços confortáveis de sua irmã e os junta do chão:

- Seus fósforos, o senhor deixou cair.
- Obrigado! – As palavras me faltaram. A menina num gesto inocente pôs a meu ver todo meu egoísmo.

Suas mãos tremiam, tamanho era o seu frio e eu, perplexo com tão belo gesto. Dei-me conta então, que deveria ter-lhe oferecido o casaco antes.

- Você está tremendo de frio. Tome o meu casaco!
- Não! Eu não devo.
- Como não? Pegue.
- Muito obrigado, não sabemos como lhe agradecer, é que estava quente à tardinha e eu e minha irmã nos atrasamos. – disse-me a moça.

Voltei-me para a moça que agarrara a mão da menina. Tinha cabelos castanhos, olhos verdes, brilhantes como duas esmeraldas. Notei que suas vestes eram simples, mas de muita elegância.

- Você não é daqui, é? – perguntou-me a moça, com um lindo sorriso.
- Não. Estou só de passagem, to indo visitar minha tia. Ela mora do outro lado do rio. E você, mora aqui por perto?
- Sim. Eu moro do outro lado do rio, subindo pela estradinha da direita. – explicou-me a moça.

Lembrei-me que quando criança, quando ia para casa de minha tia, brincava com uma linda menina de olhos verdes, que morava por perto. Só podia ser ela.

De repente, o rapaz levanta-se de seu banco, interrompendo o silêncio em que refletia.
- Dê-me a menina! Vadia. - gritou ele em tom ameaçador.
- Nunca. Afaste-se de mim! – respondeu ela apavorada.

E agora! Encontrava-me no meio de ambos, sem saber o que fazer. A moça apavorada parecia temer algo. O que fazer?
O rapaz tira uma arma do bolso da capa e ameaça atirar.

- Atire se quiser. Só me matando levará a Júlia. – falou a moça, colocando-se à frente da menina.
Ele engatilha a arma. Está prestes a atirar. Eu, num momento de descuido do rapaz, parti para cima dele, a fim de tomar-lhe a arma. Ele resiste. Durante a luta, dois tiros quebram o silêncio do rio.

O rapaz cai morto no chão e eu, olho para meu peito. Só sangue. Uma das balas me acertou. Caí ao chão, sem forças para levantar. A respiração começa a ficar ofegante.
Um flash-back de minha vida passa ali, diante de meus olhos. Era minha infância e via, na casa de minha tia, uma linda garotinha de olhos verdes, brilhantes feito esmeraldas.

A moça, num gesto de me socorrer, pega um lenço que tem no bolso e com as mãos, tenta estancar o sangue até terminar a travessia.
- É você! – disse quase já sem conseguir falar.
- Como assim?
- A bela menina que eu brincava quando criança no alto do morro.
- Meu Deus! Passei todos estes anos tentando encontrar-lhe e nosso reencontro tinha de ser assim?
A moça tira a mão de meu peito e beija-me.

Vou com um sentimento de felicidade, pois, minha última imagem foi a bela menina dos olhos verdes como esmeraldas.

Um comentário:

Carla P.S. disse...

Pois os meus olhos (verdes, como vários por aí, de várias tonalidades), se encheram de alegria com teu bom gosto literário. (Tem talento faz tempo).

Aceite um café, Peter.
Beijão!