sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A síndrome do grito


Quem nunca teve uma grande expectativa quanto a um filme? Esperou semanas até que estivesse em cartaz num cinema perto de sua casa. Ou mesmo, precisou aguardar para alugar o título em DVD?

Esse anseio eu tive com o filme O Grito. Lembro que me falaram maravilhas sobre a produção. Os thrillers só indicavam que realmente era digno de ser assistido. Não tive a oportunidade de vê-lo no cinema, mas lembro que precisei aguardar umas três semanas depois de o título estar disponível na locadora. Criei grandes expectativas. Estava louco para ver O Grito.

Quando finalmente consegui reproduzir o filme em meu computador, a trama parecia me intrigar. Confesso que estava vidrado. Porém, nem todas as expectativas se confirmaram. Elas acabaram se tornando frustração. Quando terminou, tive vontade de quebrar meu monitor. Uma porcaria. Odiei o final. Fiquei me perguntando: “como eu esperei tanto tempo pra ver uma m... desta?”.

Consegui me controlar a tempo de não destruir o computador. Afinal, ele não tinha culpa do filme ser ruim. Desde então, tento não criar muitas expectativas quanto aos filmes. Apenas espero o momento que ele está em cartaz no cinema ou disponível no acervo da locadora.

Recentemente, foi lançado o longa-metragem Ensaio sobre a cegueira. Dirigido por Fernando Meirelles, a trama é baseada no livro do escritor português José Saramago. A crítica falou maravilhas da produção, que freqüentou os destaques das colunas de jornais por boas semanas. A cada comentário que lia sobre o Ensaio, mais vontade tinha de assistir ao título.

Creio que deva ter feito umas quatro tentativas frustradas de assisti-lo. Mas seguindo a lei de Murphy, sempre surgia um empecilho. Concluí que poderia estar sendo vítima da Síndrome do Grito. Parecia que não era pra eu ver. A vontade era tanta, que comecei a ter medo de frustrar-me novamente. Mas sábado, quase dois meses depois do seu lançamento, finalmente consegui ir ao cinema para assistir ao Ensaio sobre a cegueira. Ele ainda está em cartaz na Casa de Cultura Mário Quintana. Antes, porém, comentava na cafeteria como deveria ser bom o filme e quão ansioso eu estava em conferir de perto o trabalho de Meirelles.

O filme começa. Um surto de euforia e resignação toma conta de mim. A trama estava passando diante de meus olhos. Finalmente! Um homem está dirigindo um carro no meio do trânsito. De uma hora para outra ele perde a visão. Não consegue mais enxergar. O que vê: só uma substância leitosa, branca. O rapaz é encaminhado para um oftalmologista, que nada de errado encontra na sua visão. No outro dia, o médico também fica cego. A doença é contagiosa. A mulher do médico ainda consegue ver. Diz que não o abandonará.

A cegueira branca logo se espalha. Um a um, todos na cidade ficam cegos. É o caos. Os doentes são encaminhados para algum timo de hospital-prisão. Lá, não há médicos. Eles são os únicos responsáveis por sua sobrevivência. Só se entra. Não se sai. Quem infringir a regra leva bala.

No hospital, a única pessoa que pode ver é a mulher do médico. Com o passar dos dias, mais e mais pessoas vão chegando à quarentena. A comida começa a ficar escassa. Os grupos dividem-se em três alas. Na luta pela sobrevivência, é criada uma sociedade alternativa, com poderes paralelos.

Num caso destes, é melhor ver tudo o que está acontecendo? Ou será que é preferível ser cego, mas enxergar as coisas como realmente são? Com certeza Ensaio sobre a cegueira é um filme marcante. É uma produção que nos instiga a pensar muito sobre a vida.

Uma cena marcante, dentre inúmeras, foi a parte posterior à saída do grupo liderado pela mulher do hospital. Quando ela estava voltando à cafeteria onde haviam se instalado provisoriamente no caos da cidade, ela entra em uma igreja. Lá há um padre faz orações e fala às pessoas sobre as provas divinas. Ele cita Paulo, o apóstolo que teve sua fé posta à prova. Que Jesus o tinha cegado. Pensei comigo: “Fé. Era tudo uma questão de fé”.

Curiosamente, notei que os santos estavam todos com os olhos vendados. Teria sido para que também não pudessem ver? Por fim, no apartamento do médico, as coisas começam a voltar ao normal. A primeira pessoa a ficar cega recupera a visão. Todos o felicitam por sua melhora.

O narrador nos instiga a pensar: estariam eles felizes pela volta da visão do amigo? Ou será que a felicidade era em virtude de que o homem havia sido o primeiro a ser infectado pela cegueira branca? E que mais dia menos dia eles também voltariam a enxergar?

A mulher, tão valente e forte durante todo o filme pensa que estava começando a ficar cega. Ensaio sobre a cegueira é um filme tenso. Há muitas cenas fortes que induzem questionamentos. Até onde vamos por nossa sobrevivência? Qual nosso limite moral? E ético?

Muitas vezes os nossos olhos podem ver, mas nós não enxergamos. E outras, somos cegos, mas conseguimos enxergar. Portanto, se você pode ver, veja! Se você pode enxergar, observe.

Muito bom o filme, recomendo. Valeu a pena esperar. Agora, vamos ao livro.

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*Este é o último texto de opinião do ano. Portanto, gostaria de desejar um Feliz Natal e um bom início de ano a todos.
Putz! Nem tinha visto. Já ta na hora de ir pra praia. Abraço e até ano que vem.

Um comentário:

Carla P.S. disse...

Adorei!!
Angustiante, instigante, mas achei um filme marcante! E realmente: dado a questionamentos.
Feliz Natal pra ti e pra família, que as ondas tragam bons ventos, e agouros.
Beijos!